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Determinação de crómio VI no couro

sexta-feira, 24 de março de 2023
É fundamental e legalmente exigido às empresas a avaliação do teor de crómio VI no couro, de forma a garantir a segurança e a proteção do consumidor e do meio ambiente.
Determinação de crómio VI no couro

O calçado é um produto muito complexo, uma vez que pode ser constituído por diversos materiais distintos, tais como o couro, materiais têxteis, borrachas, materiais termoplásticos, cortiça, entre outros. Durante o processo de produção destes materiais, são utilizados diversos produtos químicos com o objetivo de conferir determinadas características e propriedades para a sua utilização. No entanto, com o aumento da consciencialização por parte dos consumidores quanto à sua saúde e ao ambiente, cada vez mais tem-se tornado fundamental a regulação das substâncias restritas e dos produtos químicos potencialmente perigosos utilizados no processo de fabricação dos materiais e do calçado, dado que estes podem ter efeitos nefastos no consumidor e/ou no meio ambiente. 

Na União Europeia (UE) a utilização destes produtos é regulamentada pela legislação REACH (Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals), que estabelece aos fabricantes, empresas ou importadoras a obrigação de reunir, produzir e disseminar informações à cerca das especificidades e riscos de utilização de cada substância química, para que estas sejam utilizadas com a máxima segurança possível, protegendo não só a saúde humana como também o meio ambiente. Este protocolo assegura ainda a livre circulação de substâncias químicas no mercado da UE, reforça a competitividade e a inovação da indústria e promove o desenvolvimento de métodos alternativos na avaliação dos perigos das substâncias. Em Portugal, as unidades responsáveis para a aplicação do Regulamento REACH são a Direção-Geral da Saúde, a Direção-Geral das Atividades Económicas e a Agência Portuguesa do Ambiente.

De forma a garantir que os seus produtos cumprem com a legislação, os produtores dos materiais, incluindo o couro, e de calçado podem recorrer a laboratórios especializados para o efeito. Estes laboratórios utilizam metodologias de controlo de qualidade normalizadas capazes de identificar e quantificar as substâncias em análise, garantindo a qualidade dos resultados. 

Na indústria de curtumes, na atualidade, mais de 70% do couro é curtido com sais de crómio (III), dado que este processo de fabrico oferece excelentes propriedades físico-mecânicas a este material nobre. O crómio é um metal de transição que existe em diversos estados de oxidação, sendo as formas trivalente e hexavalente as mais comuns. Consequentemente, as propriedades químicas desta substância irão depender do seu estado de oxidação. Embora o crómio (III) seja essencial para o organismo humano, uma vez que desempenha um papel importante no que diz respeito ao metabolismo de carboidratos, lípidos e proteínas, por outro lado sabe-se que o crómio (VI) apresenta características altamente tóxicas e cancerígenas, colocando em causa a preservação da saúde humana e a proteção ambiental. Apesar de no processo de curtimenta ser apenas utilizado sais de crómio (III) - um estado de oxidação estável - existe a possibilidade de oxidação para crómio (VI) sob determinadas condições específicas. Assim sendo, considera-se de extrema importância a determinação quantitativa deste metal no couro, de forma a garantir que a sua quantidade não excede os limites regulatórios. A 1 de maio de 2015, a UE limitou o teor de crómio hexavalente a 3 mg/kg (do peso seco total) nos produtos de couro que entram em contacto com a pele. Esta limitação é estabelecida pela Diretiva 2014/90/UE, que altera a Diretiva 2008/118/CE.

Atualmente, os métodos colorimétrico (UV-VIS) e cromatográfico (cromatografia iónica) definidos pelas normas ISO 17075-1 e ISO 17075-2, respetivamente, são os estabelecidos para a determinação de crómio (VI) em couro. Os dois métodos são aplicáveis a todos os tipos de couro e os resultados obtidos comparáveis entre si, dado que os resultados dos ensaios interlaboratoriais não revelam diferenças significativas, permitindo-nos concluir que estes são consistentes e robustos. Ambas as metodologias apresentam vantagens e desvantagens, sendo que a escolha poderá depender da exigência do cliente final. O método cromatográfico quando comparado com o método colorimétrico, apresenta como principais vantagens o facto de ser uma técnica mais precisa e mais sensível, uma vez que permite determinar o crómio (VI) na amostra, em concentrações mais baixas. Esta metodologia permite também eliminar os problemas associados à interferência da cor do extrato e, minimizando o risco de falsos positivos. No entanto, é um método mais demorado e tem um custo mais elevado (cerca de aproximadamente 42%). Em relação à possibilidade de existência de falsos positivos pelo método colorimétrico, existem estratégias que poderão ser adotadas pelos laboratórios, através do controlo de qualidade dos métodos, garantindo a veracidade do resultado.

Como referido anteriormente, a oxidação de crómio (III) a crómio (VI) não é, por si só, um processo espontâneo ao longo do tempo. Esta transformação depende das práticas adotadas durante o processo de curtimenta, ditando assim a tendência para o crómio trivalente oxidar e dar origem a crómio hexavalente. Além disso, esta conversão poderá ainda ser acelerada quando submetido o couro a condições particulares, como elevada temperatura, baixa humidade e radiação ultravioleta (UV). Na literatura, já é possível encontrar alguns estudos que mencionam o efeito positivo destas três variáveis na formação de crómio hexavalente no couro. Assim sendo, torna-se evidente que esta variação poderá não ser constante ao longo do tempo e, por isso, ser difícil de controlar. Uma vez que os fabricantes de couro e calçado pretendem atuar para minimizar a formação de crómio (VI) ao longo do tempo nos seus produtos, isto demonstra claramente a complexidade do problema. 

Nesse sentido, em 2018 foi criada a norma ISO 10195:2018, referente ao procedimento de pré-envelhecimento térmico do couro, com o intuito de avaliar a propensão à formação de crómio hexavalente. Esta metodologia recomenda que se exponha o couro a uma temperatura de 80ºC e humidade inferior a 10%, durante 24h. Note-se que, este processo de pré-envelhecimento térmico não simula nenhuma condição real na produção ou uso do couro, é aplicável a todos os tipos de couro curtidos com sais de crómio e não carece de obrigatoriedade.

Também, já existem marcas que exigem a realização de um procedimento adicional de envelhecimento do couro que, no caso, se refere ao envelhecimento à luz. Isto porque, estudos internos efetuados por essas marcas demonstraram a formação de crómio (VI) acima dos limites regulatórios, posteriormente à exposição à luz dos seus produtos numa vitrine. Assim, este ensaio consiste em submeter o couro a radiação UV durante 24h. Contudo, os resultados obtidos por este processo terão de ser complementados com os acima mencionados para garantir a sua autenticidade.

Em síntese, serve o presente artigo para alertar e informar para a importância da  determinação do teor de crómio (VI) no couro, de forma a garantir a segurança e a proteção do consumidor e do meio ambiente. No entanto, a preocupação com a presença desta substância não deve ser considerada como uma barreira definitiva ao processo de curtimenta com crómio. A oxidação do crómio trivalente pode ser evitada através do controlo cuidadoso dos fatores oxidantes ao longo da cadeia de valor, em especial em todas as etapas do processo de curtimenta de uma pele.

O Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP) tem capacidade para executar todos os ensaios referidos ao longo do artigo. 

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto BioShoes4All - Inovação e capacitação da fileira do calçado para a bioeconomia sustentável, projeto nº 11, investimento apoiado pelo PRR - Plano de Recuperação e Resiliência, na sua componente 12 - Bioeconomia Sustentável e pelos Fundos Europeus NextGeneration EU.
Esta publicação reflete apenas as opiniões dos autores, o PRR - Plano de Recuperação e Resiliência e do Fundos Europeus NextGeneration EU não podem ser responsabilizados por qualquer uso que possa ser realizado com as informações nela contida.


Fontes: Davis, S. J., Wise, W. R., Recchia, S., Spinazzè, A., & Masi, M. (2021). The Evaluation of the Detection of Cr (VI) in Leather. Analytica, 3(1), 1-13
Vincent, J. B. (2000). The biochemistry of chromium. The Journal of nutrition, 130(4), 715-718
Davis, C. M., & Vincent, J. B. (1997). Chromium in carbohydrate and lipid metabolism. JBIC Journal of Biological Inorganic Chemistry, 2(6), 675-679
Ballrdin, A., & Iannone, L. M. (2013). A study on the reliability of UNI EN ISO 17075 method for the determination of the Cr (VI) content in leather. Journal of the American Leather Chemists Association, 108(12), 457-461

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