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Materiais Naturais com História

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024
utilizados na oficina BIOSHOES CREATORS
Materiais Naturais com História


CTCP promoveu, entre os dias 15 a 19 de janeiro a oficina BioShoes Creators: Materiais Naturais com História no FabLab do Centro Tecnológico do Calçado de Portugal, que teve por base a exploração de um conjunto de matéria-prima têxtil representativa de artes tradicionais portuguesas e da lusofonia, com potencial para aplicação no calçado. Os materiais disponíveis incluíram o burel da Serra da Estrela, o linho das Aldeias do Xisto e de Castelões, em Tondela, a tecelagem milenar de Almalaguês, o Panu di Pinti (Pano de Pente) da Guiné-Bissau, as Capulanas de Moçambique e os Tais de Timor-Leste, entre outros tecidos com profundo significado cultural e histórico. Alguns destes materiais são exemplificativos do ciclo total de produção artesanal local, como por exemplo o tecido em linho de Castelões, obtido desde a sementeira, colheita e fiação, até à manufatura do tecido em teares manuais.

A oficina foi coordenada por Pedro Carvalho de Almeida, Designer de Comunicação, Professor de Design na Universidade de Aveiro e Investigador do ID+. O tema da oficina vem na sequência do seu desenvolvimento projetual e investigação em Design, que presentemente cruza a Arqueologia de Marcas portuguesas de calçado com a regeneração de culturas de produção artesanais autóctones. A par dos materiais usados, a reinterpretação do icónico modelo Summer Time da Cortebel® constituiu o ponto de partida para a construção dos protótipos realizados. 

Promovida pelo CTCP com a colaboração da Shoelutions no âmbito do projeto BioShoes4All, a oficina reuniu durante uma semana 11 participantes de diferentes nacionalidades, incluindo Portugal, Brasil, Guiné-Bissau e Índia, resultando na produção de mais de duas dezenas de pares de calçado.


 
Vídeo da oficina


Principais materiais utilizados 

Linho, Tondela
Caridade Henriques, Cristiane Menezes, Pedro Carvalho de Almeida, Abhishek Chatterjee

No laboratório experimental de Design UA.LABDESIGN Pela Alma do Linho (2023), organização conjunta da Câmara Municipal de Tondela, da Associação das Mulheres Agricultoras de Castelões (AMA Castelões), do Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+) e do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, estudantes, professores e investigadores cruzaram a tecelagem do linho artesanal com outros meios, em especial diálogo com a comunidade artesã que ainda resiste no concelho de Tondela.
O tecido em linho, matéria-prima de excelência usada na realização deste par de sapatos, foi inteiramente produzido à mão por Caridade Henriques, uma das artesãs da AMA Castelões. Do cultivo, colheita, espadelagem e fiação, à lavagem das meadas, urdidura do tear e subsequente tecelagem, este par é representativo do trabalho árduo das mulheres agricultoras e tecedeiras que dominam o ciclo total do linho. Este par é por isso também uma homenagem ao seu trabalho e saber ancestral.


Linho e Estopa, Janeiro de Cima – Aldeias do Xisto
Cristiane Menezes, Pedro Carvalho de Almeida, Abhishek Chatterjee

O modelo aqui apresentado resulta da aplicação de um pedaço de tecido em linho e estopa produzido manualmente num dos teares tradicionais da Casa das Tecedeiras na aldeia de Janeiro de Cima, Fundão. O tecido foi realizado por Cristiane Menezes no âmbito do Project@X – A Minha Aldeia, Vivências e Cruzamentos (2022), projeto que resulta de uma colaboração entre a Universidade de Aveiro e a Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto (ADXTUR). O Project@X visa observar “o que há de mais distintivo e genuíno na paisagem e nas comunidades, abrindo a porta a abordagens do Design que experimentam a partir da essência dos lugares”. Neste tecido foram utilizados fios de linho tingidos experimentalmente, recorrendo a pigmentos naturais recolhidos na aldeia.

Burel, Serra da Estrela
Luís Costa, Ana Fraga, Leonor Costa

O burel é um tecido português muito antigo, feito totalmente com lã de ovelha que, até ao final da década de sessenta do século passado, era produzido artesanalmente na serra do Caramulo. Depois de tecido em teares domésticos, era pisoado no pisão de Matadegas, freguesia de São João do Monte, durante cerca de 24 horas. Com o batimento intensivo, o tecido de burel ganhava uma nova textura, maior resistência e impermeabilidade. Hoje apenas produzido na Serra da Estrela, mas disponível numa ampla gama de cores, as propriedades únicas do burel permitem a sua aplicação em diferentes tipologias de produto.
 
A Oficina do Burel, um projeto do CEISCaramulo – Centro de Estudos e Interpretação da Serra do Caramulo (www.ceiscaramulo.pt), visa recuperar a arte antiga de talhar a Capucha Caramulana em burel e, paralelamente, explorar a aplicação do burel em produtos com novas utilidades e funções.
 
Na oficina BioShoes Creators: Materiais Naturais com História, os participantes da Oficina do Burel procuraram tirar partido das potencialidades deste tecido para produzir os seus sapatos. A cor e a espessura do burel, com alguns apontamentos de costura, foram os aspetos trabalhadas na conceção dos exemplares realizados. A versatilidade do burel revelou-se como uma mais valia para o trabalho, sendo um material visualmente apelativo e muito confortável para o fim a que se destina. Certamente quem os vir não quererá deixar de os calçar!

Panu di Pinti, Guiné Bissau
Mirla Dabó

O Panu di Pinti (Pano de Pente) é um tecido proveniente da Guiné-Bissau, produzido de forma inteiramente artesanal em teares tradicionais. Com um valor inestimável na comunidade guineense, é considerado como um dos seus muitos símbolos culturais. Tecido pelas etnias Papéis e Manjaca (pepel ku mandjaku), os padrões revelam aspetos da vida familiar e da cultura local, transmitidos ao longo de diversas gerações de tecelões, fazendo parte da minha herança familiar.
As amostras de Panu di Pinti usadas nesta oficina foram-me oferecidas pela minha mãe e pela minha avó em Bissau.
Estes sapatos refletem a escolha cuidadosa de materiais. O Pano de Pente proporciona a nobreza cultural, enaltecida pelos apontamentos dourados, enquanto a pele de cabra e a borracha conferem maior durabilidade e conforto.

Tais, Timor
Pedro Carvalho de Almeida, Abhishek Chatterjee 

Tais é um tecido produzido em teares manuais segundo a técnica Tenun, nativa da região oriental do hemisfério indonésio da qual faz parte Timor-Leste. Elemento essencial na cultura do povo Maubere, o Tais é uma peça de vestuário utilizada como adorno cerimonial, em sinal de respeito e apreço por convidados, amigos, e familiares. É também usada como peça de decoração em ambiente doméstico.
Fornecido pela TANE Timor – Associação Amparar Timor, no Porto, o Tais usado na produção destes sapatos é uma alusão à bandeira de Timor-Leste, com as respetivas cores, a inscrição do nome do país, e a estrela branca de cinco pontas que significa a luz que guia.

Burel e pele natural gravada
Lourdes Oliveira

Para a execução dos meus sapatos, escolhi o burel por ser um tecido natural que apresenta propriedades ímpares, tal como a capacidade de isolamento térmico e o facto de não criar borboto. Usado na pastorícia, o burel remete-nos para o património e a cultura do povo português.
Pensando na importância do conforto dos meus pés, a aplicação do burel foi combinada com a utilização de pele. A pele gravada com motivos florais confere uma certa jovialidade ao sapato, fazendo contrastar o cinzento escuro do burel com a pele em tons de bege. Os ilhós e o vivo acetinado foram combinados com a textura mate do burel para acrescentar algum brilho e acentuar a jovialidade dos sapatos.


Burel, Panu di Pinti, pele natural
Liliana Oliveira

Para a concretização dos meus sapatos, optei por fazer uma conjugação de materiais que envolvem diferentes culturas. Usei o burel, um tecido 100% de lã de ovelha de origem medieval, associado à montanha e aos pastores com as suas capas.
O burel foi combinado com o pano de pente da Guiné-Bissau.
A conjugação de ambos os materiais bem como as suas cores – amarelo, castanho e branco – são exemplos de como as culturas podem caminhar lado a lado e em perfeita harmonia. Paralelamente, na biqueira e nos vivos foi utilizada a pele, um material maleável que confere conforto ao pé.

Desperdícios da Oficina do Burel
Pedro Carvalho de Almeida

Um dos principais desafios no contexto atual prende-se com as questões da sustentabilidade, principalmente em termos ambientais. A otimização de recursos, seja numa lógica circular ou da incorporação de excedentes industriais em processos de desenvolvimento de produtos, é uma área em crescimento que oferece aos designers inúmeras possibilidades criativas. Testar a viabilidade da produção de sapatos a partir de desperdícios, neste caso provenientes da Oficina do Burel, foi uma das possibilidades exploradas na oficina BioShoes Creators: Materiais Naturais com História. Em contraponto à produção customizada em massa, o desenho individual de cada pé usando pequenos pedaços de burel, considerados excedentes ou mesmo lixo, conforma a base da proposta aqui apresentada.

Lã, Escócia
Lynn-Sayers McHattie, Pedro Carvalho de Almeida, Abhishek Chatterjee

Usando uma pequena amostra de tecido de lã natural produzido em tear manual, este modelo é representativo de um ciclo total de produção inteiramente artesanal em Ayrshire, no sudoeste da Escócia. A partir da lã obtida pela tosquia das próprias ovelhas, depois de fiada e aparelhada no seu tear, Lynn-Sayers McHattie, Designer Têxtil e Professora de Inovação na The Glasgow School of Art, teceu a principal matéria-prima usada neste par de sapatos. O trabalho de Lynn caracteriza-se por um espírito “de ponta a ponta”, examinando a relação entre o ambiente natural, a agricultura regenerativa e os têxteis de luxo (www.lynnmchattie.com). Da série de sapatos produzidos nesta oficina, este é o único que não usa um material têxtil proveniente da lusofonia. No entanto, tal como o par feito com o linho de Castelões, insere-se numa tipologia de produto que incorpora materiais naturais inteiramente obtidos e transformados localmente de forma artesanal.

Os modelos de calçado desenvolvidos, com estes materiais, encontram-se em demontração na exposição aberta aos visitantes, nas instalações do CTCP, em São João da Madeira.

Esta oficina realizou-se no âmbito do projeto BioShoes4All - Inovação e capacitação da fileira do calçado para a bioeconomia sustentável, projeto nº 11, investimento apoiado pelo PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, na sua componente12 – Bioeconomia Sustentável e pelos Fundos Europeus NextGeneration EU. Para mais informação consulte o website recuperarportugal.gov.pt.



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