Notícias

Luís Onofre: Temos de vender melhor

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Entrevista com Luís Onofre
Luís Onofre: Temos de vender melhor

Luís Onofre sucede a... Luís Onofre na Presidência da APICCAPS. Em entrevista ao Jornal da APICCAPS, o recém-eleito Presidente "apalpa o pulso ao setor" e projeta o futuro imediato da indústria. Recorda que o diagnóstico da indústria "está feito". Mas é preciso "vender melhor".

Luís, seis anos na presidência da APICCAPS: Que balanço é possível fazer?
Não me parece correto ser eu a fazer essa avaliação. Acredito que eu e os meus colegas dos Órgãos Sociais e mesmo de Conselho Consultivo fizemos o que nos competia, num tempo muito exigente. passamos neste período por grandes desafios, por uma pandemia, duas Guerras, abrandamento económico internacional...

Mas como se encontra o setor neste momento?
A nossa indústria exporta mais de 90% da sua produção. Os últimos anos têm sido uma montanha-russa. Desde logo, porque praticamente 90% da produção mundial é assegurada por países asiáticos. Depois, porque ainda não recuperamos verdadeiramente da pandemia.

Como assim?
Porque o impacto foi muito pesado, desregulou completamente o nosso setor, criou instabilidade financeira nas empresas e nos clientes. Este é um clima comum a praticamente roda a fileira da moda. Numa primeira fase, as nossas empresas ainda foram aguentando, mas o retalho europeu, por exemplo, ficou completamente fustigado. Só na Alemanha, o nosso principal mercado, nos últimos meses encerraram 150 sapatarias. É muito duro. É natural que os nossos empresários vivam num clima de grande ansiedade.

Como se "descalça" esta bota?
Acredito que poderemos fazer mais e melhor, mas nesta fase estamos muito dependentes da evolução dos mercados internacionais. As expectativas para 2024 são ligeiramente melhores, mas ainda teremos alguns meses difíceis pela frente. 

Quando espera que seja possível reverter esta fase? 
Bem, a prudência diz-me que não devo arriscar fazer grandes prognósticos. Tenho, ainda assim, a expectativa de que a partir de abril os negócios em geral comecem a normalizar. 

Quais são os grandes constrangimentos do setor nesta altura? 
Diria que neste momento a maior preocupação está relacionada com a escassez de encomendas motivada pelo abrandamento dos mercados. Afeta-nos a todos. Estamos naturalmente dependentes da evolução dos nossos principais mercados para obter melhores resultados. Considero, no entanto, que temos de fazer no plano comercial para que possamos chegar a novos clientes. 

É possível identificar prioridades para este novo mandato? 
O diagnóstico da nossa indústria está feito há muito. Aliás, na preparação do Plano Estratégico auscultamos centenas de empresas. Sabemos que os aumentos dos custos de produção ou a afirmação de novos concorrentes são algumas das nossas principais ameaças. Já o potencial de afirmação em novos mercados, o crescimento das vendas online ou o desenvolvimento de novos produtos sustentáveis poderão ser oportunidades para as nossas empresas. 

Como nos estamos a posicionar para agarrar essas novas oportunidades? 
Bem, recordo que no plano estratégico temos previstas mais de 100 iniciativas distintas para reposicionarmos as nossas empresas. Temos igualmente em curso dois grandes projetos no âmbito do PRR. Em todo o caso, parece-me claro que temos de fazer todos um esforço para vender melhor. Essa deve ser a nossa principal prioridade. 

“Governo mais amigo das empresas” 

Vamos ter em breve eleições. O que espera do próximo Governo? 
Em primeiro lugar, o nosso principal desejo é de estabilidade. Ajudaria se tivéssemos um Governo mais amigo das empresas, que não nos penalizasse tanto com impostos. 

Pode apontar prioridades claras para o novo governo? 
Claramente, a maior prioridade deverá passar por uma menor carga fiscal que incida sobre as empresas. Não se pode continuar decididamente a aumentar os impostos e exigir que as empresas criem riqueza, aumentem os salários e as exportações. Mas é igualmente importante que sejam repensados os apoios às empresas em matéria de promoção externa. No plano laboral, num setor altamente sazonal como o nosso, seria importante simplificar o acesso e melhorar as condições do lay-off. 

Falou em aumentos dos salários. É a favor do aumento do salário mínimo? 
Vamos lá ver: os salários em Portugal são baixos. Nisso estamos todos de acordo. No entanto, aumentos dos salários de forma administrativa em valores muito superiores aos da produtividade nunca são boas notícias, porque colocam a competitividade das empresas em risco. 

Como classificaria a relação com os sindicatos? 
De sindicatos só falo na presença do meu advogado (Risos). Respeito muito o papel dos sindicatos, ainda que muitas vezes não estejamos de acordo. 

Qual a importância da negociação coletiva?
Acredito na negociação coletiva. Ainda recentemente, renovamos um novo contrato. É essencial para regular o nosso setor. Entendo que a negociação deve ser justa e equilibrada. Que compense os trabalhadores, mas não ponha em causa a viabilidade das empresas. É isso que temos procurado fazer. Com ponderação.

Falou há pouco que o setor pode fazer mais e melhor. O que queria dizer? 
O passado recente da nossa indústria deve-nos orgulhar a todos. Hoje temos empresas tecnologicamente evoluídas, com quadros com competências, mas temos de conseguir chegar a outros segmentos de mercado. Para começar, os nossos preços médios evoluíram no passado recente. Importa agora aprofundar a qualidade dos nossos produtos para outros patamares de exigência de forma a conseguirmos atingir patamares de preços ainda mais elevados. Pelo conhecimento que temos do mercado e dos investimentos que concretizamos no passado recente, poderemos dar outro salto qualitativo. Temos de o fazer.

No curto prazo, quais deverão ser as grandes apostas?
Temos de saber aproveitar a opção de algumas marcas por, em resposta às fragilidades das cadeias globais de produção que a pandemia revelou, manter uma maior parcela da sua produção na Europa. Depois, há potencial num conjunto de mercados em que a presença do calçado português ainda é reduzida, tanto fora da Europa como no centro e leste da Europa, que devemos explorar. Por fim, há novos públicos a conquistar. Pessoas cada vez mais informadas, com preocupações ao nível da sustentabilidade e da responsabilidade social que querem comprar calçado europeu a preços justos. Às nossas empresas, exige-se que possam estar na linha da frente do processo de desenvolvimento de novos produtos. A digitalização e sustentabilidade são claramente uma grande oportunidade para as nossas empresas.

Do ponto de vista comercial, o que há a fazer? 
Essa é uma das minhas maiores preocupações nesta altura. As empresas parecem adormecidas, enquanto os concorrentes estão mais ativos do que nunca nos mercados internacionais. Está na hora de um regresso em força à atividade de promoção externa, seja qual for a sua modalidade. Não podemos deixar que outros players ocupem um espaço que tanto nos custou a conquistar. Insisto que temos de fazer um esforço para valorizar os nossos produtos e vender melhor.

A escassez de mão-de-obra continua a ser um problema? 
É um problema, de facto. Mas não é apenas nosso. Dados da Comissão Europeia indicam que até final da década, a indústria europeia da moda necessitará de meio milhão de novos colaboradores. Não temos outra alternativa que não seja enfrentar essa dura realidade. Do nosso lado, estamos a fazer os trabalhos de casa. Temos ações em 86 escolas nas zonas de maior concentração da indústria de calçado, procurando sensibilizar os mais jovens para o potencial da nossa indústria e das nossas empresas. Este trabalho que estamos a fazer é muitas vezes referido no plano europeu como um bom exemplo.

“Líderes europeus são insensíveis” 

Foi Presidente da Confederação Europeia nos últimos quatro anos. Como foi viver essa experiência? 
Foram quatro anos muito ricos em termos de aprendizagem. Foi igualmente um privilégio para o nosso país, que reflete bem o prestígio que as nossas empresas foram conquistando. Julgo que a indústria europeia é hoje a grande referência internacional, nomeadamente ao nível do desenvolvimento de novos produtos e materiais, e isso deve-se naturalmente à visão de inúmeros empresários e o empenho de milhares de trabalhadores. Depois, no final do meu mandato fica sempre uma sensação de alguma frustração. Por princípio, defendo princípios de comércio livre, justo e equilibrado. Mas, infelizmente, não existe reciprocidade nas políticas europeias. Pude confirmar isso mesmo, bem de perto. Lutamos muitas vezes com condições altamente desfavoráveis. O mesmo não acontece com os nossos concorrentes internacionais. É uma luta muitas vezes injusta. 

No passado recente voltou a falar-se de reindustrialização na Europa… 
Não passam de palavras. Os nossos líderes europeus são insensíveis à nossa realidade e às nossas preocupações. Julgo que os problemas das empresas portuguesas são comuns aos das empresas europeias. Lançamos no final do ano passado o nosso Plano Estratégico para a próxima década. São mais de 100 ações que propomos para que a indústria portuguesa seja uma referência no exterior. Atualmente, temos em curso um fortíssimo investimento – 140 milhões de euros – nos domínios da automação, digitalização e sustentabilidade. Estamos a fazer o que nos compete. Todos temos de fazer um esforço para cumprirmos as metas da União Europeia e da ONU em matéria de sustentabilidade. Mas sejamos claros: as regras devem ser iguais para todos, de outro modo estamos uma vez mais a distorcer claramente a concorrência.

Fonte: APICCAPS
505

Voltar