Embaixador da moda portuguesa, Miguel Vieira celebra este ano 25 anos de carreira. Dos sapatos ao vestuário, carteiras, cintos, jóias e mobiliário, Miguel fez-se criador no expoente máximo da palavra: dos pés à cabeça e mais além. Constata com agrado a evolução do setor, que passou de uma brincadeira a uma indústria que movimenta milhares de euros, mas, ao fim destes anos, continua a lutar pela afirmação de uma tradição de moda em Portugal.
O que estava na moda em 1988?
Não me recordo. Mas estávamos nos anos 80 e penso que seria a exuberância total nos looks de mulher. Havia muitas coisas douradas, brincos com argolas bastante grandes. Era o ostentar dos anos 80.
Lembra-se do primeiro desfile?
Recordo-me relativamente. Estamos a falar de uma época completamente diferente, em que as coisas não estavam tão bem organizadas como estão hoje. Não existiam tantos profissionais como existem hoje. Lembro-me que quando queríamos um manequim, as agências não estavam bem organizadas ainda. E alegra-me muito verificar nestes 25 anos uma grande evolução em termos profissionais nesta área. Os fotógrafos deixaram de ser fotógrafos de casamento e passaram a ser fotógrafos de moda, assim como os cabeleireiros e os maquilhadores também evoluíram.
Há mais profissionalização.
Sim, o que é ótimo, porque não sendo Portugal um país com tradição de moda, todos estes profissionais vêm ajudar o país a ganhar essa tradição
.
Isso torna a atividade mais fácil?
Sim. Tal como as alterações tecnológicas destes 25 anos. Hoje, é tudo para ontem, é tudo muito online, muito rápido. Antigamente não era assim. As fotografias eram tiradas, tinham de ser reveladas e ficávamos à espera. Hoje, tira-se a fotografia e segue logo direto para o mundo inteiro.
Quais são as dificuldades hoje?
Para um criador de moda é sobretudo o facto de Portugal não ser um país de tradição de moda, à semelhança de Paris, Londres, Milão e Nova Iorque, etc. Sobretudo porque os empresários em Portugal não olham para a moda como um negócio. Enquanto os outros criadores internacionais são cotados em bolsa, ligados a multinacionais, olha-se para a moda como um negócio gigantesco, em Portugal ainda se pensa um bocado que a moda é um bocadinho para brincar. Quando a moda, no meu caso específico, já emprega muitas pessoas, famílias e gera dinheiro.
Porque é que nunca moveu o ateliê para Lisboa ou Porto, ou até para fora?
Sentia que o Porto e sobretudo Lisboa era onde estavam os órgãos de comunicação social e onde tudo se poderia tornar um bocadinho mais fácil. No entanto, tentei fazer sempre finca pé com a minha cidade. É uma cidade que gosto muito. É uma cidade prática para trabalhar, na qual estamos perto de tudo. E acho que temos de ter bastante força e perseverança no que fazemos e sobretudo gostar e acreditar no que fazemos. Antes tinha que ir a Lisboa dar uma entrevista. Hoje aterram no meu ateliê fotógrafos e jornalistas de toda a parte do mundo. Portanto, acho que não me enganei no caminho.
Quando é que sentiu, pela primeira vez, que se estava a tornar uma marca de sucesso?
Não consigo precisar mas acho que foi quando comecei a perceber que tinha de depender o menos possível de outras pessoas. Ou seja, quando um manequim desfila com a minha coleção, não tenho que ir buscar carteiras a uma loja, sapatos a outra ou jóias a outra. Foi na criação lenta de “n” produtos - neste momento temos 15 coleções - e no facto de não depender de ninguém que começou o despoletar da essência Miguel Vieira: a criação no expoente máximo, dos pés à cabeça. E isso acontece há 18 ou 15 anos.
Desde o momento em que lançou a primeira coleção até hoje, foi sempre a subir. Teve aliás uma ascensão meteórica nos primeiros anos.
Correu sempre bem ou também teve anos maus?
Não é bem assim (risos). Esta profissão é uma profissão que, vista pelo público, é muito glamorosa. É uma profissão que a maioria dos miúdos gostaria de ter porque fica-se muito exposto à comunicação social. Existe um fascínio, um glamour à volta disto tudo. Mas esta profissão é bem mais complicada e bem mais árdua do que se pensa. Tem que se estar 24 sobre 24 horas a pensar, não há fins de semana, temos de estar disponíveis 24 horas do dia, viaja-se muito, chega-se ao fim do dia demasiadamente cansado. Por isso é que algumas pessoas desistem a meio. Torna-se demasiado complicado.
Nunca sentiu vontade de desistir?
Não. Senti alguma pressão no sentido de ir trabalhar para marcas internacionais e ficar à frente da parte criativa. Posso dizer que dos convites que recebi, hoje estaria financeiramente um bilião de vezes melhor do que estou. Porque construir uma marca e conseguir mantê-la durante 25 anos é bastante complicado. Por vezes, sente-se, não vontade de desistir, mas questiona-se porque não se seguiu outro caminho. Porque é que não fui trabalhar para aquela marca? Porque não aceitei aquele convite, em prol de algo que quero fazer sozinho sem grandes marcas ou investimentos por trás? Fazer quase omeletas sem ovos, que é muitas vezes o que se passa na nossa área.
Sempre se sentiu acarinhado?
Senti-me sempre, sempre, sempre muito acarinhado pelas pessoas. Pela comunicação social, pelas pessoas mais mediáticas do país, pela minha câmara, pelas pessoas de S. João da Madeira. Tentei sempre transmitir o meu lado normal e humano das coisas. Tentei sempre manter os pés bem assentes na terra, não sendo pedante, arrogante. Senti sempre muito carinho de todas as pessoas.
Qual diria que foi o momento alto da sua carreira?
Houve muitos momentos altos. Os momentos altos foram todos aqueles em que consegui dar mais um passo, lançar mais um produto, quando fiquei independente. Mas os momentos mais altos são aqueles em que vou na rua e vejo alguém vestido com a minha roupa. Ou quando vou a um hotel e vejo uma peça de mobiliário minha. Ou uma pessoa com uma das minhas jóias. São momentos muito gratificantes porque significa que tudo passou do papel, atravessou fronteiras e passou a ser usado pelas pessoas.
Pedem-lhe para emprestar o seu nome aos mais variados produtos.
Qual desses pedidos foi o mais bizarro ou o maior desafio?
O mais bizarro foi fazer comida para cães, em que as asinhas da marca Miguel Vieira substituiriam as habituais bolinhas. Achei muito engraçado e interessante. No entanto, devido ao formato das asas, para certos animais não seriam fáceis de comer. Mas não há semana que não apareça uma empresa que se queira associar a nós para lançar um produto.
O que é que o move nos dias de hoje?
Quando iniciamos as nossas profissões, aparecem-nos uma data de portas que temos de tentar abrir e muitas vezes não abrimos a porta certa. Acho que tive a sorte de, na porta que resolvi abrir, encontrar a minha felicidade. Encontrei a profissão que eu gosto e com a qual me identifico. Se voltasse atrás, fazia rigorosamente a mesma coisa. Digo sempre que queria ser arquiteto, é um fascínio que tenho. Não para exercer mas em termos de cultura e de escola, porque aprecio muito a área arquitetónica e a maneira de pensar dos arquitetos. Mas fazia rigorosamente o que fiz. É isso que me move. Move-me acordar todos os dias às 7h30 da manha e pensar que é isto que gosto de fazer e que amo do coração.
Como encara esta aposta da cidade no paradigma da criatividade?
Acho que todos estes movimentos de criatividade são bastante importantes para a cultura de um povo. Portugal não tem tradição de moda. Quanto mais eventos houver, mais enriquece o povo. Podemos perder muita coisa mas a cultura é das coisas mais importantes. Faz um povo crescer e sorrir, torna-nos ímpares. Todas estas atividades são bastante importantes e tento acarinhá-las da melhor maneira possível e dar força às pessoas no sentido de podermos criar um país mais moderno e contemporâneo.
Desenha sapatos, roupa para adulto e criança, roupa interior, roupa de banho, óculos, jóias, móveis... faz também decoração. O que é que lhe falta fazer?
(Risos) Falta tanta coisa. Um criador de moda tem uma vantagem muito grande. A partir do momento em que consegue transpor o seu nome para outros patamares, existem muitas indústrias que se querem associar para poder redesenhar os seus modelos de negócio. Temos sempre muitos pedidos nesse sentido. Portanto, há muita coisa que ainda me falta fazer.
Porquê o preto e o branco?
Temos de ter alguns ícones, peças chave que as pessoas memorizem rapidamente. Quando se fala em Miguel Vieira, fala-se sempre do preto e do branco. São sinais que são difíceis de comunicar. Demora muito tempo fazer o público perceber a nossa linha. As minhas coleções toda a vida tiveram cor. No entanto, nos desfiles retiro as peças com cor e escolho exclusivamente as peças a preto e branco.
Acha que a moda portuguesa está bem lançada?
A moda portuguesa está bem lançada. Mas ultimamente alguns criadores têm desistido e isso é muito mau porque assim não nos conseguimos afirmar. Por isso, tento apoiar sempre o maior número de estilistas possível. Dar força, incentivo, etc,. Quanto mais criadores, melhor para todos nós