Notícias

30 anos de inovação na fileira do calçado...a história

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
 30 anos de inovação na fileira do calçado...a história

Relatar a evolução registada nas duas últimas décadas em matéria de inovação da fileira do calçado constituí um desafio complexo, para quem nela sempre esteve envolvido. A natural tendência para se romancear a evolução histórica aumentando e favorecendo os êxitos e o que correu bem, e esquecendo ou tornando menos percetíveis os fracassos, existe.

Existe ainda um fator que merece atenção. Em 1994, quando se lançou os primeiros planos estratégicos setoriais com uma forte componente de inovação, estava-se perante um estudo prospetivo e de antevisão do futuro. Hoje, quando nos debruçamos sobre o que realmente aconteceu na fileira do calçado, estamos já a fazer história e a olhar para o passado que já não pode ser alterado.

Não se antecipavam em 1994 todas as alterações que as atividades económicas registariam ao longo das duas décadas seguintes, embora se soubesse que nada poderia ser dado como definitivo e que vantagens alcançadas poderiam desaparecer muito rapidamente. Empresas desconhecidas ganhariam notoriedade repentina para voltarem ao anonimato pouco tempo depois.

Mas desde o início da década de 90 do século passado, que já eram previsíveis as grandes ameaças a que as empresas portuguesas da fileira do calçado estariam sujeitas no futuro próximo, nomeadamente:

- Deslocalização galopante da produção para o Extremo Oriente e fuga das cadeias de distribuição e comercialização de calçado para fornecedores desta região;
- Impossibilidade de concorrer com base no preço;
-Ausência de encomendas de média e grande dimensão (semanas e meses de produção) geradoras de elevados ganhos de produtividade.
-A necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento que, prospectivamente, se pensava que passaria pela: a) produção de pequenas encomendas; b) aposta na flexibilidade produtiva e organizativa com recurso a tecnologias e equipamentos avançados; c) aposta em produtos de couro com grande conteúdo de moda e design; d) fabrico e expedição rápida de produtos diretamente para os pontos de venda; e) venda direta ao pequeno retalho e a pontos de venda independentes; f) aposta nas atividades de investigação e desenvolvimento ao serviços dos fatores críticos de sucesso.

Para a concretização deste paradigma foi fundamental o desenvolvimento de tecnologias e equipamentos fabricados em Portugal e especificamente desenhados para as necessidades e características das PME de calçado, objetivo do programa “A Fábrica de Calçado do Futuro” lançado em 1994 e implementado até 2006.
O programa “A Fábrica de Calçado do Futuro” incluído nos Planos Estratégicos Setoriais de 1994-1999 e de 2000-2006 da responsabilidade da APICCAPS, ambicionava tornar a fileira portuguesa do calçado a mais moderna do mundo no fabrico de calçado de couro.

O programa “A Fábrica de Calçado do Futuro” foi responsável pelo aparecimento de uma nova geração de tecnologias e equipamentos (cerca de 100), que rapidamente se impuseram no mercado português e mundial e que permitiram à indústria portuguesa de calçado tornar-se muito provavelmente, na indústria de calçado mais moderna do mundo no fabrico de artigos de moda de gama média/alta, o objetivo central do programa.

Tratou-se sobretudo de investir em tecnologias para aumentar a produtividade e a competitividade e melhorar a flexibilidade e capacidade de resposta das empresas e tornar possível um novo paradigma de concentração em pequenas encomendas, expedidas rapidamente para a pequena distribuição e retalho.
A e globalização e entrada da China na OMC reforçou o papel da Ásia, que passou a concentrar mais de 80% da produção mundial, e em particular da China que responde por cerca de 60% da produção mundial.

As grandes cadeias multinacionais de distribuição e comercialização que detêm pontos de venda em número significativo são atores importantes e interessados na produção de grandes quantidades de calçado ao preço mais baixo. Por isso, os interesses da grande distribuição e da grande produção estiveram e assim continuarão convergindo para que a Ásia continue sendo o centro produtor por excelência. Este movimento consolidou-se de tal forma nos últimos anos que hoje a produção de equipamentos, materiais e componentes necessários ao fabrico daqueles produtos está igualmente concentrada na Ásia.

Por isso, a partir de 2007 foi necessário implementar um novo paradigma que permitisse às PME portuguesas criar novas vantagens competitivas e um novo nível de excelência:
-Produção individualizada e de micro e pequenas encomendas;
-Aposta em artigos técnicos de elevado desempenho;
-Aposta em artigos de elevada qualidade com design sofisticado;
-Fabrico e expedição rápida de produtos de nicho;
-Aposta na criação de marcas próprias;
-Venda direta ao pequeno retalho e a pontos de venda independentes;
-Aposta em artigos bio sustentáveis e biodegradáveis;
-Aposta nas atividades de investigação e desenvolvimento de materiais, de biomecânica, de análise do conforto, etc.

Para concretizar este novo paradigma foi elaborado o Programa ShoeInov integrado no Plano Estratégico Setorial para o período 2008-2014.
Em 2008, esta nova ambição passava por fabricar o calçado com o preço médio de venda mais elevado do mundo, com tudo o que lhe está associado.
Os dados recentes vêm confirmar a justeza desta nova aposta: as exportações têm aumentado nos últimos anos e o preço médio de venda tem crescido acima do dos principais concorrentes.

O sucesso dos Programas de I&DT Fábrica de Calçado do Futuro e ShoeInov foi o resultado da associação entre:
A ambição das empresas fabricantes de calçado que decidiram juntar o saber-fazer tradicional, com a moda e design de nível internacional;
O saber das Universidade e Institutos de Investigação;
A capacidade de desenvolvimento das empresas de base tecnológica da fileira do calçado;
A capacidade das empresas líder na fabricação de materiais e produtos acabados de especificar as necessidades e requisitos de novas soluções tecnológicas;
A capacidade de difusão, comercialização, colocação em funcionamento e assistência e manutenção pós venda das empresas comerciais de equipamentos;
A capacidade de coordenação e o reconhecimento da função de supervisão da APICCAPS e do CTCP;

Programas de I&DT (1994-2014)
Programa Fábrica do Calçado do Futuro
Para concretizar o objetivo central do programa “A Fábrica de Calçado do Futuro” de transformar a indústria portuguesa de calçado na mais moderna do mundo, foi criado o Cluster Tecnológico do Calçado, uma rede de cooperação informal para a área da inovação, constituída pela APICCAPS e pelo CTCP (entidades coordenadoras), por entidades do SCT, empresas de base tecnológica e empresas demonstradoras.


Esta rede foi responsável pela execução, entre outros, dos seguintes projetos de I&DT:
Projeto FACAP, projeto mobilizador implementado entre 1995-2000, e responsável pelo desenvolvimento de cerca de 40 novos equipamentos;
Projeto FATEC, projeto mobilizador implementado entre 2002-2006, e responsável pela produção de cerca de 65 novos equipamentos;
Projeto SHOEMAT, projeto mobilizador implementado entre 2003 e 2006, e gerador de 35 novos materiais e produtos. Foram desenvolvidas peles naturais biodegradáveis, telas revestidas a cortiça para calçado e marroquinaria, solas reforçadas por fibras; materiais e componentes para calçado funcional; materiais compósitos termoplásticos e elásticos avançados;
Projeto GIASOFT, projeto de desenvolvimento de software específico para a fileira do calçado, implementado entre 2006-2007, para as áreas da Qualidade, Produtividade e Certificação;
Entre 2004 e 2008, CTCP e empresas industriais participaram também nos projetos integrados CECMadeShoe e FlexiFunBar, financiados pelo 6º Programa Quadro de I&D da União Europeia, tendo a parte portuguesa dinamizado o desenvolvimento 3 novos conceitos de calçado:
BioShoe – sapato biodegradável, produzido com materiais biodegradáveis;
ActiveShoe – sapato com capacidade de adaptação às alterações do ambiente de forma “inteligente” para controlo de propriedades como a temperatura, humidade relativa, odores, etc;
SeamlessShoe – sapato com o mínimo número de costuras, através de novos conceitos de design e produção;

Em resultado destes desenvolvimentos Portugal destacou-se na produção de tecnologias avançadas para a fileira do calçado, unanimemente considerada uma das mais modernas do mundo. Pode considerar-se que foi cumprido o objetivo central do programa.
Alguns destes resultados encontram-se hoje também instalados noutras indústrias: automóvel, rochas ornamentais, mobiliário e metalomecânica.

Programa ShoeInov
Em 2007, o Programa Fábrica de Calçado do Futuro deu lugar ao Programa ShoeInov com alargamento da intervenção às áreas multimédia e estudos setoriais.
Entre 2008-2014, foram implementados novos projetos, merecendo destaque os seguintes:
Projeto AGILPLAN – Sistema de agilização do planeamento em rede para a fileira do calçado 2008-2010
Projeto INOVLASER, Desenvolvimento de um novo sistema galvanométrico para gravação de peles inteiras com laser, 2008 - 2011
Projeto SIBAP – Sistema Integrado de Balanceamento automatizado de sistemas de produção, 2009-2011
Projeto ATLANTA TPV, Desenvolvimento de termoplásticos vulcanizados para aplicação em calçado, 2010-2012
Projeto FLEXIOPTIMA – Sistema de maquinagem CNC flexível, de funções modulares, 2009-2011
Projeto SHOEID – Tecnologia RFID aplicada à cadeia de valor de calçado, produção, distribuição e loja retalho calçado, 2009-2011
Projeto STRESS-LESS-SHOE - desenvolvimento de ortóteses plantares e calçado minimizadores do stress mecânico da locomoção para utentes com sobrepeso, 2008 – 2011
Projeto ADVANCEDHOE - Integração de soluções avançadas de materiais e de desenvolvimento de produto em calçado de elevado desempenho, 2008-2011
Projeto BIONICPHOOT - desenvolvimento de sistemas para avaliação de parâmetros de conforto térmico - biomecânico e calçado de conforto superior, 2008 – 2011
Projeto BE NATURE, Desenvolvimento de couro & calçados biodegradáveis, 2010-2013
Projeto TOPICSHOE – Total Design, Process Integration and Comercial support tools for shoe Industry, 2010 – 2012;
Projeto HSSF – High Speed Shoe Factory, linha automatizada para a produção de amostras e pequenas séries, 2011-2014;
Projeto NEWALK MAT, Materiais, Componentes e Tecnologias para calçado do futuro, 2011-2014
Projeto NEWALK TECH, Tecnologias para calçado do futuro, 2011-2014;

O Cluster Tecnológico do Calçado integra atualmente cerca de 60 entidades incluindo: i) cerca de 20 empresas de base tecnológica produtoras de materiais e componentes, de bens de equipamento, de software; ii) cerca de 20 empresas demonstradoras de tecnologias avançadas (de calçado e componentes); iii) 20 entidades do sistema científico e tecnológico nacional.

Ao longo dos últimos 30 anos foram desenvolvidos e comercializados mais de 150 novos equipamentos, entre os quais:
• Sistemas de estilismos e catálogos eletrónicos;
• Sistemas de engenharia e desenvolvimento de produtos (CAD/CAE 2D e 3D);
• Sistemas de corte automático de peles, materiais em rolos ou placas, utilizando tecnologias de corte por jato de água, por laser ou por faca vibratória;
• Sistema de marcação e gravação por laser e por jato de tinta;
• Armazéns automáticos para peles, paletes, caixas ou cabides;
• Transportadores e sistemas automáticos de movimentação de materiais, de componentes e de artigos em produção na planta fabril;
• Linhas robotizadas de montagem;
• Equipamentos CNC de fresagem e cardagem de materiais;
• Equipamentos de controlo da qualidade (mais de 50 aparelhos laboratoriais);
• Sistemas de tratamento superficial de materiais por plasma e laser;
• Sistemas ERP;
• Sistema de loja virtual;


O Cluster Tecnológico do Calçado foi também responsável pelo lançamento de mais de 100 novos materiais à escala mundial, nomeadamente:
• Peles ecológicas, biodegradáveis ou livres de crómio;
• Solas termoplásticas transparentes, anti deslizamento, anti estáticas ou resistentes ao fogo;
• Materiais flexíveis com revestimento a cortiça únicos no mundo;
• Materiais policromáticos que mudam de cor com a temperatura ou radiação luminosa;
• Elastómeros vulcanizáveis para processamento por injeção;
• Colas e produtos de acabamento de base aquosa.


A incorporação destes materiais avançados possibilitou o fabrico de calçado de elevado desempenho, satisfazendo critérios rigorosos de qualidade, conforto, segurança e proteção ambiental, e ajudando a consolidar a excelente imagem do calçado português no panorama mundial.


Na execução destes programas ficou demonstrada a valia da metodologia utilizada pelo Cluster Tecnológico do Calçado e que assenta na:
-Identificação e hierarquização das áreas críticas de sucesso, que são definidas como prioridades urgentes e importantes para os projetos de I&D;
-Aposta em novas soluções tecnológicas que ofereçam à partida vantagens competitivas relativamente aos processos ou soluções atuais, o que implica determinar o preço de venda comercial, os custos de utilização, os custos de manutenção e de melhoria futura e as necessidades de formação dos operadores;
-Identificação das entidades responsáveis pela produção física e melhoria futura dos desenvolvimentos, pela comercialização no mercado interno e externo, pelas primeiras demonstrações e utilizações;
-Constituição de consórcios com atividades complementares, integrando todos os intervenientes da cadeia de criação de conhecimento: entidades de I&D responsáveis pela geração de novos conhecimentos, empresas de base tecnológica responsáveis pela utilização dos novos conhecimentos em novas soluções técnicas, empresas de excelência demonstradoras das novas soluções tecnológicas, empresas que comercializem as novas soluções no mercado nacional e internacional, entidades de formação dos recursos humanos necessários à implementação das inovações e entidades de coordenação e supervisão do consórcio;
-Implementação de projetos com divulgação ampla das novas soluções técnicas de modo a alargar ao maior número de empresas os benefícios obtidos;
-Implementação de ações de formação para os utilizadores das novas soluções tecnologias favorecendo a sua adoção pelas empresas;

Os resultados desta estratégia estão à vista com os ganhos de cota de mercado nos países mais desenvolvidos, relativamente aos seus competidores mais diretos, apesar da difícil conjuntura económica mundial.

O sucesso da indústria de calçado deve medir-se pela capacidade de comercializar e tirar proveito das inovações e ideias e de gerar resultados superiores aos dos seus concorrentes diretos.

Ao longo dos últimos anos, a indústria portuguesa de calçado foi capaz de alterar a sua imagem junto dos consumidores e fazedores de opinião, adquirindo uma merecida notoriedade na produção de calçado de elevada qualidade, e justificar o preço médio de venda que é já o 2º mais elevado do mundo. As exportações têm crescido, apesar da difícil conjuntura económica, nomeadamente na Europa para onde se dirigem mais de 80% das exportações de calçado.

Esta evolução não seria possível sem que um conjunto significativo de empresas tivesse implementado processos significativos de inovação. Sucessos isolados não seriam suficientes para renovar toda uma fileira industrial que tem um volume de produção de cerca de 2 mil milhões de euros e a exporta mais de 90% da sua produção.

Programa de I&DT (2014-2020)
Programa FootInov

O Programa FootInov visa consolidar Portugal como um ator competitivo e global no negócio do calçado, artigos de pele e acessórios de moda, através da inovação, radical ou incremental:
-No desenvolvimento de materiais e componentes;
-No desenvolvimento de artigos de consumo com elevado design e desempenho;
-No desenvolvimento de novos equipamentos e tecnologias e na criação de unidades de produção de classe mundial;
-No desenvolvimento social e sustentável

O Programa FootInov pretende, assim, dotar as empresas de novas capacidades e competências, explorando as sinergias estratégicas e operacionais existentes na investigação e desenvolvimento, na engenharia de produtos e de processos e no marketing, num contexto tecnológico, empresarial e educacional que despolete uma verdadeira espiral de inovação.

O Programa FootInov 2020 será por isso constituído por diversos subprogramas que intervêm nas diversas áreas críticas de sucesso da fileira. Devem referir-se desde já os subprogramas:
InoMat: subprograma de desenvolvimento de novos materiais, componentes e acessórios;
ProdDesign: subprograma de design e inovação de novos conceitos e produtos de consumo;
EquiTech: subprograma de desenvolvimentos de bens de equipamento e tecnologias fabris;
EcoDev: subprograma ambiental e de desenvolvimento sustentável
.


Os desenvolvimentos FootInov serão também importantes para a criação de novas empresas.
O desenvolvimento de Ateliers Oficina de produção de calçado e marroquinaria oferecem oportunidades de criação de microunidades por parte de estilistas, designers e técnicos qualificados.
Novos artigos de calçado de elevado desempenho serão possíveis com o desenvolvimento e disponibilização no mercado, de:
-Nano partículas e nano materiais multifuncionais e de utilização segura em termos ecotoxicológicos;
Biomateriais;
-Couros para calçado de moda com novos acabamentos, texturas e com potencial de modificação superficial na fábrica de calçado ou, posteriormente, pelo usuário final;
-Couros para calçado de moda e segmentos específicos, com elevado desempenho funcional e ambiental;
-Materiais para solas reciclados, recicláveis ou biodegradáveis e adequados ao calçado;
-Novas formulações e compósitos para palmilhas, insertos e solas e suas aplicações;
-Componentes diferenciados e funcionalizados através da aplicação de novos sistemas de acabamento e tratamentos superficiais avançados;
-Novos produtos e sistemas químicos para valorização estética e funcional de couros, solas e calçado;
-Dispositivos mecatrónicos inovadores nomeadamente para prevenção de quedas de seniores.


As soluções tecnológicas avançadas a desenvolver devem ser de fácil parametrização e adaptadas à realidade das empresas portuguesas. Mas devem igualmente visar os mercados externos, com vista a internacionalização das tecnologias, nomeadamente:
-Tecnologias para empresas ágeis: Integração de secções produtivas e novos processos de fabrico de calçado;
-Tecnologias inovadoras para acabamento, diferenciação, customização e valorização de calçado de moda;
-Nanotecnologias para funcionalização de superfícies de componentes/calçado;
-Novos sistemas integrados de acabamento e corte de couros;
-Equipamentos e sistemas robotizados;
-Novos sistemas de logística e gestão de encomendas, produção e expedições.

(Adaptação de textos internos do CTCP)




Fonte: ctcp
6966

Voltar