Fruto de uma multiplicidade de factores diversos, mas complementares a indústria portuguesa de calçado está, literalmente, na moda e é, cada vez mais, procurada por clientes de todo o mundo. No entanto, a escassez de mão-de-obra disponível face às necessidades das empresas e a dificuldade de subcontratar internamente micro e pequenas empresas (nomeadamente especializadas na costura) tem impedido a indústria nacional de responder rapidamente às solicitações do mercado. As empresas estão, assim, à procura de soluções integradas para responder ao «boom» de encomendas.
As razões
Os sinais indiciam que o modelo de negócio das empresas europeias, assente numa grande capacidade de desenvolvimento e na resposta rápida, está a ganhar pontos no plano internacional. Com efeito, os já esperados aumentos dos custos de transporte, da mão-de-obra e mesmo da instabilidade, por via do acréscimo da tensão social na China (e outros países asiáticos) associados às dificuldades dos importadores europeus em acederem ao crédito (em virtude das novas regras impostas por praticamente todas as entidades bancárias fruto da crise financeira que se instalou) estão a “empurrar” várias marcas para o continente europeu. De um modo geral, é cada vez menos interessante do ponto de vista financeiro para as grandes marcas importarem a totalidade das suas colecções do continente asiático e, por esse motivo, começaram a “redescobrir” as virtudes da indústria europeia. Em resultado, países como Espanha, Itália ou Portugal são, actualmente, confrontados com um acréscimo muito significativo de encomendas. Mas será esse um fenómeno conjuntural ou estrutural? As empresas não arriscam uma resposta definitiva. Certo é que estão à procura de novas soluções para responder de forma célere às novas exigências dos mercados internacionais.
Vários sinais apontam para que a capacidade produtiva na indústria portuguesa de calçado esteja muito próxima da sua plenitude. No entanto, subcontratar a produção no exterior, em especial na Ásia, não se afigura como estratégica, na medida em que o modelo de negócio das empresas portuguesas assenta, fundamentalmente, na capacidade de resposta rápida e pequenas encomendas. Ainda assim, algumas empresas equacionam subcontratar partes da produção no Norte de África, em especial em Marrocos e Tunísia. Outras, procuram “deslocalizar” para o interior do país. E há mesmo quem defenda a necessidade de formatação de um programa de apoio ao empreendedorismo específico para a criação de pequenas unidades industriais.
Empresas preocupadas
Ainda que algumas empresas tenham conseguido, nas últimas semanas, recrutar novos colaboradores, em especial para a área da produção, persistem as dificuldades generalizadas na contratação de mão-de-obra qualificada. Com base num inquérito do Gabinete de Estudos da APICCAPS ao sector, estima-se que o sector do calçado pudesse contratar centenas de colaboradores até final do ano.
“Existe actualmente um grande défice de empresas especializadas em corte e costura. No caso da Savana, necessitaríamos de subcontratar cerca de 75 000 pares de calçado por ano, trabalho que estimamos pudesse ser concretizado por 35 pessoas”, destacou Jorge Fernandes, Gestor da Savana. Já os responsáveis da empresa Salgado & Guimarães, lamentam não ser possível “encontrar no mercado de trabalho colaboradores disponíveis para ocupar as ofertas de emprego das empresas”. Uma situação, de resto, difícil de explicar, na medida em que estão referenciados em Portugal cerca de 700 000 desempregados.
Também os responsáveis da Alabama referem “um aumento significativo do volume de encomendas”, sendo pois desejável “subcontratar internamente partes da produção a pequenas unidades capazes de produzir mensalmente 2 500 pares de calçado”. No caso da empresa Lucília, Vieira & Lima, Lda, os responsáveis sublinham que “o aumento de encomendas implicaria trabalho para mais 30 colaboradores”, sendo, ainda assim, prudente, por uma lógica de sazonalidade associada ao sector, que as empresas não corram muitos riscos, subcontratando parte da produção no exterior. Já António Lemos, da LG, lamenta “a escassez de unidades de corte e costura, factor que constitui um estrangulamento efectivo à execução das encomendas”. O emprego associado a este aumento das encomendas estima-se em 60 colaboradores. Albérico Alves, da Ginita, acrescenta outro aspecto: “a dificuldade de subcontratar unidades de costura aumentou em paralelo com o grau de complexidades dos modelos produzidos”. António de Sousa, da Ferreira & Oliveira, Lda, recorda que a situação actual “é muito penalizadora, na medida em que tem como consequência atrasos dos prazos de entrega”. Manuel Tavares questiona-se “onde páram os desempregados?”. O Gestor da RAP sugere “como fundamental que se incentive os desempregados a criarem as suas próprias empresas”, num movimento verdadeiramente empreendedor, capaz de potenciar a indústria portuguesa de calçado nos mercados internacionais.