Não é o abrandamento do consumo que está a preocupar os empresários do sector do calçado, até porque há um número considerável de empresas a registar crescimento de vendas. É sim a dificuldade em obter seguros de crédito que cubram pelo menos parte do risco nas vendas ao estrangeiro.
A situação, classificada de "dramática", foi referida por vários industriais de calçado presentes na MICAM, a maior feira de calçado da Europa, a decorrer em Milão. Estão presentes cerca de 80 empresas portuguesas.
Os industriais acusam as seguradoras de crédito de estarem a fazer cortes cegos, sem sustentabilidade ou racionalidade financeira. Os seguros de crédito, contratados junto de instituições especializadas, normalmente ligadas a grupos bancários, são feitos pelos empresários para cobrir o risco de falta de pagamento por parte dos clientes. Estes seguros têm custos e normalmente não seguram a totalidade dos créditos.
Amílcar Monteiro, accionista e director comercial da Fly London, defende que, se não forem tomadas medidas urgentes, "há o risco de se destruírem 25 anos de trabalho" na conquista de mercados de exportação. Este responsável recorda que, só numa quinta-feira, a que chama "quinta-feira negra", recebeu o cancelamento de 123 apólices de seguros de crédito.
Somadas às que já tinha recebido anteriormente e às que chegaram nos dias seguintes, totalizavam 75 por cento dos clientes que a empresa tem em Espanha. O corte de seguros de crédito está a afectar as exportações para vários países europeus, com o país vizinho em primeiro plano.
Os empresários reclamam rapidez, nomeadamente em relação à última proposta do Governo, que, dada a falta de resposta das seguradoras de crédito, se propôs garantir a cobertura, até 60 por cento, do valor do crédito a cobrar ao cliente, sendo os restantes 40 por cento assumidos pelo empresário. Nesta solução, apresentada recentemente pelo ministro da Economia aos empresários, o Estado substitui-se às seguradoras. No entanto, esta solução ainda não está disponível ou operacional e a época de compras ou encomendas vai a meio.
O Governo, já em finais de Novembro, tinha anunciado medidas para revolver o bloqueio dos seguros de crédito, mas a medida emperrou em Bruxelas, por causa dos limites mínimos de apoio às empresas, situação que foi entretanto desbloqueada. Os empresários garantem que não querem transferir para o Estado o risco total do negócio, defendendo mesmo que a solução pode ser tripartida, com Estado, empresas e seguradoras a repartir o risco de crédito.
Amílcar Monteiro afirma que, "sem rede, é impossível continuar a trabalhar", e admite que, se a situação permanecer por muito tempo, pode implicar, no seu grupo, uma paragem ou um lay-off. Isto, numa empresa que é das maiores do sector e que diz que as vendas até estão a correr bem.
Os cortes de seguros de crédito estão a afectar todas as empresas, incluindo as maiores. Por exemplo, a Eject, que vende calçado para o outro lado do mundo (Nova Zelândia). Joaquim Carvalho, presidente, garante que há crédito suspenso por motivos descabidos, como o de que determinado cliente está com "tensão de tesouraria" ou atrasou-se uma ou duas semanas num qualquer pagamento. Este industrial diz, com ironia, que agora é o segurador do seu crédito.
A angústia também é visível no presidente do grupo Pedreira, com várias marcas próprias. Questionado pelos jornalistas sobre se estava a sentir a crise, respondeu prontamente que os problemas não são as vendas, mas sim assegurar os pagamentos.
Há empresas que estão a assumir riscos de cobrança em relação aos clientes que conhecem melhor; aos restantes pedem pagamentos parciais antecipados e pagamento total no momento da entrega, mas a situação é insustentável, porque muitos clientes não têm liquidez de tesouraria, e a consequência é perder negócios.
Até Novembro, o sector exportou 1266 milhões de euros, um crescimento de 2,2 de crescimento face ao ano anterior. As vendas ao exterior representam mais de 90 por cento da produção total.